No dia 21 de outubro de 2024, mais um corpo negro tombou em Portugal pelas mãos de agentes do Estado. Um imigrante cabo-verdiano foi baleado por um agente da polícia em Lisboa, num caso que rapidamente gerou indignação e levantou novamente o debate sobre o racismo estrutural no país. De acordo com o relatório oficial, a vítima teria resistido à detenção e ameaçado os agentes com uma faca. Mas essa versão é suficiente para justificar mais uma execução policial? Quantas vezes já ouvimos relatos semelhantes, apenas para descobrirmos mais tarde que os factos não eram bem assim?
O Sinistro: O Que Testemunhas Dizem?
A polícia afirma que o imigrante cabo-verdiano teria reagido agressivamente à abordagem e que o disparo foi “em legítima defesa”. No entanto, testemunhas presentes no local relatam uma história diferente. Segundo moradores da região, o homem já estava cercado e não representava ameaça real quando foi alvejado.
“Ele estava nervoso, parecia confuso, mas não estava a atacar ninguém. Vi ele levantar as mãos antes do tiro”, contou uma senhora que preferiu não se identificar. Outros relatos reforçam que não houve tentativa de desarmamento antes do disparo fatal e que, mais uma vez, a polícia optou pela força letal ao invés de técnicas de imobilização.
Infelizmente, este não é um caso isolado. Em Portugal, a polícia tem um histórico de violência contra negros e imigrantes, e a narrativa oficial costuma ser amplamente aceita sem investigação aprofundada.
O Padrão de Impunidade: Um Sistema Feito Para Proteger os Agressores
Casos de brutalidade policial contra negros em Portugal raramente terminam com punições exemplares. O assassinato de Bruno Candé, em 2020, por um ex-combatente da Guerra Colonial que lhe dirigia ofensas racistas há dias antes do crime, expôs as feridas profundas do racismo na sociedade portuguesa. Mas e os casos de violência policial? Há alguma consequência para os agentes envolvidos?
A resposta, na maioria das vezes, é não. Muitos destes processos são arquivados ou resultam em penalizações mínimas para os agentes. Em vez de serem tratados como crimes de ódio ou abuso de autoridade, os casos são frequentemente rotulados como “reação proporcional” ou “legítima defesa”, permitindo que os agentes continuem a trabalhar sem grandes repercussões.
Quando a justiça não age, a mensagem que se passa é clara: a vida negra vale menos. As forças de segurança, que deveriam proteger todos os cidadãos, acabam por se tornar um instrumento de opressão para determinadas comunidades.
A Eterna Normalização do Racismo e o Medo da Verdade
Há um silêncio ensurdecedor por parte das autoridades e de grande parte da sociedade portuguesa sempre que um negro é morto pela polícia. O racismo institucionalizado não se reflete apenas na violência policial, mas também no tratamento diferenciado que certos crimes recebem da mídia e do sistema judiciário.
Se um imigrante negro fosse acusado de matar um polícia, as manchetes dariam a volta ao mundo, e as reações seriam imediatas. Haveria debates inflamados sobre a “violência dos imigrantes”, discursos políticos pedindo maior repressão e medidas mais duras contra a criminalidade. Mas quando a vítima é negra e o assassino veste uma farda, a narrativa muda. O caso é tratado como um “incidente isolado”, e tudo rapidamente cai no esquecimento.
Até Quando?
A morte do imigrante cabo-verdiano em Lisboa não pode ser mais um número na estatística. Se não houver pressão social e política para que a justiça seja feita, este será apenas mais um nome apagado pela indiferença e pela impunidade.
É preciso questionar: até quando aceitaremos que a polícia portuguesa mate sem consequências? Até quando ser negro em Portugal será uma sentença de suspeição e violência?
O racismo estrutural não se desmonta apenas com discursos bonitos, mas com ações concretas. Enquanto agentes de segurança pública continuarem a agir sem responsabilidade, e enquanto as instituições continuarem a proteger quem deveria ser julgado, a luta contra o racismo em Portugal continuará a ser uma batalha desigual.
DANIYYEL DE JESUS